(Foto: Reprodução) Apresentação de “It’s Like a Fingerpointing a Way to the Moon” na Bienal Sesc de Dança. Foto: Stefano Solovijovas
A 14ª edição da Bienal Sesc de Dança, realizada em Campinas de 25 de setembro a 5 de outubro, terminou, consolidando-se como um dos eventos mais importantes das artes cênicas no Brasil e marcando 10 anos de sua presença na cidade. O festival se propôs a ser um espaço de travessia, invenção e diálogo, reafirmando o papel da dança na construção de uma sociedade mais democrática e sensível.
A programação reuniu cerca de 80 atividades, entre espetáculos, performances, instalações, oficinas, encontros e ações formativas, tanto para crianças quanto para adultos. No decorrer desses 11 dias de Festival, foram mais de 20 mil pessoas circulando e participando das programações que aconteceram no Cis Guanabara, Estação Cultura, Rodoviária de Campinas, Sesc Campinas, Teatro Castro Mendes, Senac, Unicamp e nas praças Bento Quirino, Carlos Gomes, Rui Barbosa e Largo das Andorinhas, com a participação de artistas de 18 países e 10 estados brasileiros, oferecendo um panorama diversificado que misturou danças cênicas, urbanas, populares, experimentais e comunitárias. A curadoria, descrita como uma "trama coletiva", buscou ampliar os vocabulários da dança e de seus contextos, transformando a cidade de Campinas em um grande palco.
Destaques Internacionais e Diálogos Globais
A Bienal Sesc de Dança 2025 promoveu um rico intercâmbio cultural, destacando participações de obras de diversas partes do mundo, tais como: Brasil, México, França, Colômbia, África do Sul, Bélgica, Holanda, Ruanda, Inglaterra, Líbano, Chile, Áustria, Japão, Suíça, Angola, Estados Unidos, Venezuela e Portugal.
Educação, Acessibilidade e a Ocupação dos Espaços Urbanos
Pela primeira vez, a Bienal Sesc de Dança ofereceu um projeto educativo dedicado à mediação em dança, buscando dialogar tanto com o público já familiarizado com a linguagem quanto com aqueles que se aproximam dela pela primeira vez. O evento se expandiu para além dos teatros e galerias, ocupando espaços como a Rodoviária de Campinas e diversas praças, reafirmando a dança como uma prática social intrínseca à vida na cidade. A inclusão de recursos como Libras e audiodescrição em diversas atividades reforçou a missão do Sesc de democratizar o acesso à cultura.
O festival foi lembrado como um marco dos dez anos de sua realização em Campinas, após as primeiras edições em Santos.
Para formar plateia para a Bienal, o trabalho é desenvolvido de maneira contínua, a partir da proximidade com artistas e públicos ao longo do ano. A unidade do Sesc Campinas mantém uma programação mensal dedicada à dança, criando familiaridade e despertando interesse em diferentes perfis de público. Essa constância permite difundir obras diversas e, ao mesmo tempo, formar olhares mais críticos e atentos.
Repercussão e Impacto
O impacto da Bienal se estendeu para além do setor cultural, movimentando a economia local. A vinda de artistas e público de diversas partes do mundo impulsionou a demanda por hospedagem, alimentação, transporte e comércio local. O evento também gerou empregos diretos e indiretos para profissionais como técnicos, produtores, fotógrafos e pessoal de segurança, além de contribuir para a cultura. A ocupação de espaços urbanos como a Estação Cultura e a Rodoviária democratizou o acesso à arte, provando que a cultura é um motor importante para a economia e o desenvolvimento social.
Para Hideki Yoshimoto, gerente do Sesc Campinas, os dez anos da Bienal na cidade consolida um vínculo profundo com o público e com o território:
“Desde sua chegada a Campinas, a Bienal tem promovido encontros entre obras, artistas e públicos, configurando-se como um espaço aberto de criação e debate. Ao longo desses dez anos, revisitou passados, abriu caminhos e apontou novos rumos, sempre ocupando espaços públicos e equipamentos culturais. Essa presença ampliou o acesso, rompeu barreiras e aproximou a população do Festival. Hoje, a Bienal consolidou uma relação sólida com Campinas: o público reconhece sua relevância e se envolve de forma cada vez mais ativa”, pontua ele. — Hideki Yoshimoto.
Para a curadora Talita Rebizzi, a Bienal terminou com a sensação de missão cumprida. Ela destacou a alegria de ver o trabalho curatorial — focado em propostas plurais, corpos dissidentes e resistência colonial e ser recebido com entusiasmo. O sucesso foi validado tanto pelo público, que expressou felicidade com a programação, quanto pelos artistas.
“É uma alegria ver tudo que discutimos nos encontros de curadoria ganhar corpo. Escutar as pessoas expressarem sua felicidade com a programação. Os artistas felizes com o acolhimento de todas as equipes envolvidas no fazer da Bienal, que trabalharam muito para que tudo pudesse acontecer da melhor forma possível.” — Talita Rebizzi
A curadora Maitê Lacerda celebrou o sucesso e o impacto da Bienal Sesc de Dança, destacando que a ambição do festival foi concretizada na experiência da rua e nos encontros internacionais. Lacerda enfatizou as "ações na rua e espaços abertos" como um dos principais pontos altos da edição. Além da ocupação urbana, a curadora ressaltou a importância do intercâmbio promovido pelos artistas brasileiros e estrangeiros. Segundo ela, os encontros foram "muito ricos" e geraram transformação mútua.
“Dentre os pontos altos dessa edição, destacamos as ações na rua e espaços abertos que emocionaram artistas e transeuntes - "Couraça", de Leônidas Portela, foi muito especial nesse sentido. Os encontros entre artistas brasileiros e estrangeiros foi muito rico. Escutamos relatos de muitos artistas estrangeiros que se reconheceram nesse território, que saíram transformados dessa Bienal. Campinas foi o chão que sonhamos, onde muitas pessoas puderam e podem dançar" — Maite Lacerda
De acordo Marcos Takeda, um dos curadores da Bienal, a programação infantil se destacou por sua abordagem potente e respeitosa em relação à diversidade das crianças. Os espetáculos trataram a infância de forma complexa, reconhecendo a criança como um ser pensante e curioso, capaz de compreender e criar a partir do que a cerca. A arte foi apresentada como um espaço de encontro e troca, e não como uma simples explicação do mundo.
Além disso, a curadoria se mostrou inclusiva ao valorizar a presença dos adultos que acompanham as crianças, como cuidadores e pais. Esse público, majoritariamente feminino, teve a oportunidade de vivenciar a arte de forma conjunta com os pequenos. O resultado foi um espaço de relação e troca entre gerações, onde a dança, a escuta e o brincar reforçaram a importância da conexão entre diferentes mundos possíveis. O saldo é de presença, de troca e de valorização das múltiplas infâncias.
“Ficou evidente o quanto é potente pensar as infâncias em sua diversidade. Cada proposta trouxe um modo distinto de olhar para o mundo das crianças. Foi bonito ver trabalhos que respeitam as diferentes fases do desenvolvimento infantil e tratam a criança como sujeito pensante, curiosa, capaz de compreender o que a cerca e de criar a partir disso. A arte apareceu como campo de encontro, não como explicação. As obras também dialogaram com quem acompanha essas crianças — adultos que observam, participam e cuidam.” — Marcos Takeda, curador
Flip Couto. Foto: Henrique Fernandes
Para o curador, artista interdisciplinar e idealizador de coletivo, Flip Couto, o festival foi um ponto de convergência para diferentes movimentos, unindo movimentos artísticos (como o ballroom e o hip hop) e movimentos identitários (indígena e trans). Um destaque especial foi a interação entre gerações, com a participação de crianças e a reflexão sobre o envelhecimento com artistas como Luiz de Abreu e Carmen Luz. A presença de diferentes narrativas e idades gerou um "atrito criativo", resultando em obras que aliaram um forte corpo político à qualidade artística.
“Esses encontros geram um atrito criativo que a cena mostrou com força — trabalhos que, além do corpo político, trazem uma excelência artística construída na coletividade. A colaboração e a cocriação foram elementos muito fortes, e é isso que esperamos seguir semeando: novas pesquisas, conexões globais e inspirações para outros artistas.” — Flip Couto.
Henrique Rochelle, crítico de dança. Foto: Stefano Solovijovas
Excelência e Colaboração
A excelência artística do evento não se limitou à performance; ela foi construída de forma coletiva, incluindo a alta qualidade técnica em desenho de luz, projeção e som. A cocriação e a colaboração foram elementos essenciais que demonstraram como a arte pode ser construída de forma potente a partir da união.
Para o crítico de dança, Henrique Rochelle, o festival se destacou este ano por apresentar uma curadoria com uma linha coesa, um avanço notável em comparação aos anos anteriores. Essa abordagem resultou em uma programação de espetáculos interligados e com sentido.
O evento serviu como uma plataforma essencial para a expressão artística e a inclusão de grupos historicamente marginalizados. A programação incluiu uma variedade de espetáculos que abordavam temas relevantes, como os relacionados às comunidades indígenas e trans. Essa representatividade é fundamental, pois oferece a esses grupos a oportunidade de mostrar suas obras, afirmar sua existência e ocupar o espaço cultural.
Além disso, o festival obteve grande sucesso de público, com quase todos os espetáculos esgotados e longas filas de espera. O evento mobilizou tanto o público local quanto visitantes de outras cidades, como São Paulo, que vieram para acompanhar parte da programação. O sucesso de público e a grande procura demonstram o interesse da sociedade em histórias e temáticas diversas.
A visibilidade gerada pelo festival é outro ponto crucial. Ao reunir uma grande quantidade de espetáculos com temas variados, o evento aumenta a percepção do público sobre diferentes realidades e formas de expressão artística. Isso não só amplia a visibilidade de artistas e trabalhos específicos, mas também aponta para novas oportunidades para que esses criadores possam apresentar suas obras em outros locais, mesmo após o término do festival.
“O maior destaque pra mim foi ver uma curadoria com uma linha clara — uma proposta que conecta obras e artistas em diálogo. Essa edição mostrou o quanto é importante termos espaços onde as pessoas possam expressar suas identidades e suas histórias. Ver tanta diversidade — indígenas, pessoas trans, diferentes modos de fazer — amplia nossa percepção e fortalece a visibilidade dessas vozes. O festival cria uma comoção, faz a cidade se mover em torno da arte, e isso é transformador.” — Henrique Rochelle.
Chegando ao fim
A Bienal Sesc de Dança 2025 cumpriu com sucesso sua missão de ser um território de "partilhas sensíveis" e diálogo entre artistas e públicos. Durante os onze dias de festival, a dança se espalhou por Campinas, transformando a paisagem urbana em um palco para a diversidade, a resistência e a celebração cultural. A jornada terminou, mas a energia, as reflexões e as conexões que ela gerou continuarão a reverberar por muito tempo.